terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

SERÁ PROIBÍDO FALAR BEM DA IGREJA - João Teixeira

1.É certo que não podemos branquear o mal. Mas
será correcto esquecer tão ostensivamente o bem?
Dizem que o positivo não vende e que só o negativo
rende.
2. «A boa notícia não é notícia».
Eis uma sentença que também parece contaminar alguns
sectores da nossa Igreja.
3. Por vezes, dá a impressão de que decalcamos o temperamento
depressivo que o Padre Manuel Antunes reconhecia
nos portugueses.
De facto, também em nós, cristãos, «o negativo prevalece
sobre o positivo, os defeitos sobre as qualidades e os defeitos
das nossas qualidades sobre as qualidades dos nossos defeitos».
4. Com tanta predisposição para publicitar as suas fraquezas,
até parece que na Igreja nada há de positivo.
Acontece que isto, além de não ser justo, está longe de ser
verdadeiro.
5. Mas o mais intrigante é que estas notícias e opiniões não
vêm apenas de fora.
Muitas vezes é de dentro que surgem palavras de censura,
que rapidamente encontram altos índices de aprovação.
6. Esta situação contribui para criar um ambiente «eclesiodepressivo
» e uma mentalidade «eclesiofóbica».
Parafraseando uma conhecida máxima, dir-se-ia que, acerca
da Igreja, só o mal – não o bem – cá para fora vem.
7. Porque é que – sem vaidade, mas também sem vergonha
– não acendemos as luzes, que excedem em muito as sombras?
Será proibido falar bem da Igreja? Será que a única forma
de «debater» a Igreja é «bater» na Igreja?
8. Porque é que havemos de ocultar aquilo que o mundo
deve à Igreja?
Como apurou o reputado académico Thomas Woods, foi a
Igreja que introduziu as bases do sistema universitário e do direito
internacional. E que pensar da rede mundial de assistência
aos mais pobres que a Igreja continua a assegurar?
9. A moldura da Europa foi desenhada sobretudo a partir
dos mosteiros.
Réginald Grégoire, Léo Moulin e Raymond Oursel certificam
fartamente como os monges ao fervor espiritual aliaram sempre
um forte progresso civilizacional. Foram eles que lançaram centros
de ensino, redes de fábricas e até métodos de criação de gado.
10. Enquanto «tangibilidade histórica da presença de Deus»
(Karl Rahner), a Igreja é portadora de um legado muito belo,
que nos devia encher de alegria e inundar de gratidão.
As suas falhas são o preço que ela paga por não excluir ninguém.
Como bem percebeu Henri de Lubac, a Igreja «não é
uma academia de sábios nem uma assembleia de super-homens
». Pelo contrário, «os miseráveis de toda a espécie têm
cabimento na Igreja». Não são eles os que mais precisam dela?
( In Diário do Minho)

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Convocatória da AG ELEITORAL _03Março18_10:00_Convento Franciscano Montariol

Ex.mos Senhores

Conforme solicitado na convocatória enviada no passado dia 5/2/2018, agradecemos que nos informem quem vem representar a v/ Associação na Assembleia Geral da Primavera, que terá lugar no próximo sábado, dia 3/3/2018, e sobre o número de pessoas que deseja almoçar no Convento de Montariol.

O prazo limite era o dia de hoje - 25/2/2018 - pelo que pedimos o favor de nos responder até amanhã de manhã - dia 26/2/2018.

Apelamos à vossa colaboração!

Pelo Secretariado
Isabel Oliveira




www.uasp.pt | Faceboock.com/uasp



domingo, 25 de fevereiro de 2018

PORQUE SERÁ QUE A ALEGRIA DO AMOR DÁ TANTA TRISTEZA Frei Bento Domingues, O.P.


1. A violenta controvérsia sobre os divorciados recasados e o seu acesso à comunhão eucarística continua a agitar as comunidades católicas de todo o mundo. Porque será? Não tenho resposta pronta a servir. O teólogo dominicano, Ignace Berten, escreveu um livro admirável para que ninguém caia nessa tentação[i]. Segue o método de transcrever os textos das posições mais típicas e só no final imite a sua bem informada perspectiva. Não lhe interessa, unicamente, discutir as três realidades acerca da família que foram objecto de questionamento e de controvérsia, sobretudo, as que dizem respeito à contracepção, que põem em causa a doutrina da Humanae Vitae, o acolhimento dos divorciados recasados pela igreja, o acesso à comunhão, os homossexuais e a relação homossexual.

 Os debates mais vivos dizem respeito aos divorciados recasados. Têm sido os mais apaixonados e, por vezes, violentos.

João Paulo II, na sua exortação apostólica Familiaris consortio de 1981, no seguimento do primeiro Sínodo sobre a família (1980), excluía qualquer possibilidade de acesso à comunhão dos divorciados recasados, a não ser que se comprometessem a viver como irmão e irmã. Em certas dioceses existia uma pastoral desse estilo. No entanto, em meados dos anos 70, na Bélgica, já tinha nascido uma outra perspectiva pastoral. Em 1993, na Alemanha, alguns bispos promoveram de forma pública, uma pastoral de abertura. Em 1994, a Congregação para a Doutrina da Fé (GDF) interveio condenando essa prática e não podendo, nesses casos, fazer apelo à consciência.

Mas os factos são o que são e, nos Estados Unidos e na Europa, a proporção de divorciados em relação aos casamentos atinge muitas vezes os 30 a 40%. Dessa situação surgem um recasamento ou, pelo menos, a constituição de um novo casal.

O mal-estar cresce cada vez mais e as tentativas pastorais que impõem uma vida de celibatários a estas pessoas, por vezes muito jovens, torna-se ilógica e, para alguns, escandalosa.

Neste momento, desenham-se três atitudes típicas: uma apoia a abertura pastoral do Papa Francisco; outra regressa à opinião de João Paulo II e, a mais radical, classificou este Papa como herético e já identificou as suas numerosas heresias.

O livro de Ignace Berten documenta, citando sempre as fontes, cada uma destas posições. Mas o que lhe interessa é mostrar o que se joga, em cada uma delas, quanto ao entendimento do que deve ser a pastoral da Igreja. Parte do Vaticano II e da audácia do Papa João XXIII ao convocar um Concílio pastoral sem cedências à oposição fictícia entre doutrinal e pastoral. Pobre doutrina aquela que não serve a caminhada dos cristãos que vivem em tempos, lugares e culturas diferentes, num mundo em mudança.

2. Como tinham sido muitas as tentativas de neutralização do caminho aberto por esse Concílio, o Papa Francisco resolveu escancarar portas e janelas. A Igreja não é para a Igreja, não pode ser auto referente. Introduziu, por isso, a linguagem e a prática de uma Igreja de saída para as periferias. Deseja que os cardeais da cúria, os bispos das dioceses, os párocos e os teólogos das universidades abandonem a sua auto contemplação e passem a ser pastores, a terem o cheiro das ovelhas, porque são estas as importantes. Os cristãos são um reino de sacerdotes. Pertence-lhes a missão de oferecer a sua vida para a alegria do mundo todo.

A desgraça deste Papa é não ser, apenas, palavras e bons conselhos. É o primeiro a viver e fazer aquilo que propõe aos outros.

É acusado de não repetir a doutrina de João Paulo II, do cardeal Ratzinger e de Bento XVI, de não invocar a infabilidade pontifícia e de ter um discurso terra a terra que todos podem entender. De insistir mais na misericórdia de Deus do que no pecado e na cruz e encontrar a alegria do Evangelho junto dos que precisam de consolação e esperança. Para papa tem pouca altura doutrinal e uma teologia mais preocupada com a pastoral do que o rigor metafísico! Abrir ou fechar o futuro, eis a questão.

Como é possível, aliás, que um papa se atreva a adoptar o caminho e o estilo de Jesus de Nazaré que não tem medo de ser contagiado pelos doentes, pelos pobres, pelos casais em situações irregulares, que não permite que os maridos façam gato-sapato das mulheres, que abre caminhos de esperança para o que parece irremediável?

Um papa assim não tem muitas hipóteses imediatas. João XXIII já foi há muito tempo e depois vieram os doutrinadores que tinham sempre algo a condenar. Bergoglio só condena o que estraga a vida às pessoas, sejam doutrinas, sistemas ou atitudes. A sua ética é muito samaritana e o capítulo 25 de Mateus perturba-o demais. Está sempre a passar para a outra margem.

3. O que está verdadeiramente em jogo nas actuais controvérsias sobre a família é o feitio do Papa Francisco não se resignar a repetir fórmulas dogmáticas, doutrinas definidas para sempre sobre as mulheres, sobre o casamento, sobre a Eucaristia sobre seja o que fôr. Não despreza, de modo nenhum, a tradição da Igreja. Pelo contrário. Quer torná-la viva, sabendo que a letra mata e só o espírito de inovação vivifica. Os dogmas e as doutrinas são marcos na caminhada da Igreja na história humana. Não são eles a pátria celeste. São trilhos para a viagem, não são o cume da montanha. S. Paulo teve a coragem de dizer que todos os carismas são para ajudar e nem a fé, nem a esperança nem as suas formulações são eternas. Para a eternidade só fica a caridade.

A proibição bíblica da fabricação de imagens é a proibição da idolatria, a de parar quando é preciso ir mais longe, mais alto e mais fundo. Existe um comportamento em relação às formulações doutrinais da Igreja que é, muitas vezes, idolátrico. Como dizia St. Exupéry, quando se aponta para o céu, muitos olham só para o dedo.

A perturbação que o Papa Francisco introduziu no discurso, nas atitudes e na prática pastoral foi a do combate às idolatrias instaladas.

Diz-se, por vezes, que o séc. XXI ou será místico ou não será. Creio que é verdade. Mas o místico é aquele que não pode parar no estabelecido, de uma vez para sempre. Mestre Eckhart rezava: Deus livra-me de deus, isto é, livra-me das representações e das fórmulas que te procuram substituir, que impedem a infinita viagem do desejo, da sede do Deus de Jesus Cristo.

É a paixão da idolatria que mata o Evangelho da nossa alegria.

25.02.2018



[i] Ignace Berten, Les divorcés remariés peuvent-ils communier? Enjeux ecclésiaux des débats autour du Synode sur la famille et d’ Amoris laetitia, Lessius, Éditions jésuites, 2017

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Testemunho de Irmã comboniana que vive na RD Congo há 37 anos 23 de Fevereiro de 2018

A irmã Maria Celeste Rodrigues, missionária na República Democrática do Congo há 37 anos, afirma que a Jornada de oração e jejum pela Paz convocada hoje pelo Papa Francisco vai ajudar a “alertar” para a realidade no país africano...

A irmã Maria Celeste Rodrigues, que está neste momento na cidade do Porto, em recuperação, espera regressar este ano ao Congo, com vontade de “dar alguns anos a África”

A religiosa que vai celebrar 72 anos no próximo dia 13 de junho, foi para a República Democrática do Congo em 1971 para trabalhar numa missão com os pigmeus, “uma tribo minoritária, ainda muito descriminada”.

Depois de quatro anos neste serviço, dedicou-se ao ensino de Religião e Moral nas escolas secundárias; os últimos quatro anos foram vividos perto de Kinshasa, a capital, onde estava a ter uma “experiência positiva” na casa de formação das Postulantes.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

O novo rosto da autoridade na vida consagrada - Pe. José Vieira

A comissão organizadora da XXXIII Semana de Estudos da Vida Consagrada que decorreu em Fátima de 10 a 13 de Fevereiro de 2018 sob o tema «Inovar na Vida Consagrada – Para vinho novo, odres novos (Mc 2,22)» convidou o P. José da Silva Vieira, provincial dos combonianos em Portugal e Presidente da Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal, a desenvolver o tema «O novo rosto da autoridade».

“O novo rosto da autoridade – afirma o missionário comboniano – não se consegue através de uma campanha massiva de cirurgias plásticas já que um grande número de pessoas em autoridade é entrado nos anos. Faz-se, sim, através de um transplante, da cordialidade: os novos corações da autoridade. As consagradas e consagrados em autoridade são desafiados a servir com coração.”

“É este o transplante que Deus propõe ao querer mudar corações petrificados em corações encarnados. O Senhor prometeu pela boca do profeta: «Dar-vos-ei um coração novo e introduzirei em vós um espírito novo: arrancarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei um coração de carne». Daí que eu gostava de chamar a esta reflexão «Os novos corações da autoridade na vida consagrada»”, diz o P. José da Silva Vieira.

Leai aqui o texto completo.

domingo, 18 de fevereiro de 2018

«Delírio em las Vedras!» P. Gonçalo Portocarrero de Almada

A abstinência sexual exigida pela lei de Cristo, não pode ser vista como uma mera proibição, mas como afirmação de um amor maior.

Embora não seja aficionado ao Carnaval, não posso deixar de reconhecer que é um tempo que me é muito proveitoso em termos profissionais. Com efeito, o meu negócio é o pecado – o pecado dos outros, entenda-se! – e não há dúvida de que o Carnaval é época alta para qualquer sacerdote que se preze. Este ano, as expectativas eram ainda melhores, porque o lema do Carnaval de Torres Vedras era muito promissor: ‘Delírio em las Vedras!’
Mas, para minha surpresa, ao folhear o Expresso de 10 de Fevereiro último, o delírio voltou a aparecer, desta feita nas palavras de Frei Bento Domingues: “É um acto da teologia das palavras cruzadas. Um delírio”. Referia-se o ilustre frade dominicano à nota pastoral do Cardeal-Patriarca de Lisboa sobre a aplicação da Exortação Apostólica Amoris Laetitia, e não, como algum incauto leitor poderia supor, ao Carnaval de Torres.
Se ainda o não disse, digo-o agora: sempre tive uma especial simpatia e gratidão pela Ordem dos Pregadores, por razões familiares e por ter estudado vários anos nos dois colégios dominicanos de Lisboa: o de São José, no Restelo, que ainda existe; e o Clenardo, na Rua do Salitre, que já fechou há uns anos. Aliás, foi no São José, onde fiz a infantil, que aprendi, com quatro ou cinco anos, a dura lição da ‘abstinência da carne’: uma vez mordi uma freira que me contrariou, mas foi tal o castigo que – remédio santo! – nunca mais mordi nenhuma religiosa, nem leiga sequer. Sou também um leitor atento das crónicas de Frei Bento Domingues, que nunca me deixam indiferente.
Mas, voltemos ao delírio. Não ao de Torres Vedras, mas ao do Frei Bento, que acha que não faz sentido pedir a um homem e a uma mulher que vivem juntos, mesmo não sendo verdadeiramente casados, que se abstenham dos actos próprios da vida conjugal. A abstinência seria não só antinatural como até impossível e, como é sabido, ninguém está obrigado ao que não é possível. A argumentação até faria algum sentido se todos os cristãos não estivessem obrigados à abstinência: não só os bispos, padres e religiosos, que até fizeram um voto nesse sentido; mas também os casados, excepto em relação ao seu legítimo cônjuge; e os solteiros, em relação a todas as pessoas, sem excepção.
Se fosse moralmente aceitável a relação extraconjugal, ter-se-ia de concluir que poderia ser lícita a violação da fidelidade matrimonial. Quantas vezes? A samaritana, que até não era má rapariga, já ia no sexto companheiro, o que a não impediu de se converter. Mas não consta que Jesus lhe tenha permitido manter aquela generosa colecção de ‘maridos’, nem o parceiro que então tinha e que, pelos vistos, nem isso era (Jo 4, 7-18). Se assim não fosse, o adultério deixaria de ser pecado, como há muito já não é crime.
Cristo, ao absolver a adúltera apanhada em flagrante, exigiu-lhe que não voltasse a pecar (Jo 8, 11). E, se para os judeus piedosos o adultério só se realizava quando havia união carnal entre duas pessoas não casadas legitimamente entre si, Jesus, que não veio abolir a lei mas dar-lhe pleno cumprimento (Mt 5, 17-18), acrescentou que também se pode cometer este pecado mortal por desejo, e até por mero pensamento, se advertido e consentido: “Ouvistes que foi dito: Não cometerás adultério. Eu, porém, digo-vos que todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração” (Mt 5, 27-28).
Por outro lado, para além da sexual, outras muitas abstinências há, tanto ou mais importantes, a que estão igualmente obrigados os cristãos por razão da sua fé: a abstinência da mentira, do ódio, da soberba, da avareza, do roubo, da corrupção, do luxo, da inveja, da idolatria, da vingança, da exploração, da gula, da murmuração, etc. Mas, em todos estes casos, bem como no da abstinência sexual, quando exigida pela lei de Cristo, a renúncia não é uma mera proibição repressora, ou inibição castradora, mas afirmação de um amor maior. De forma análoga, uma pessoa apaixonada não entende a fidelidade prometida como um
sacrifício, mas como uma consequência gozosa, mesmo que custosa, desse mesmo amor.
Frei Bento insiste em que, sobre a vida íntima conjugal, só o casal é que sabe: “É o casal que deve decidir a sua vida íntima. Nenhum padre, nenhum bispo, ninguém se pode intrometer. É ridículo!”. E um frade?! Se calhar pode …
Com certeza que, não só nesta matéria mas também em todas as outras, há que respeitar a liberdade das consciências e são sempre os próprios que devem decidir e arcar com a responsabilidade correspondente. Mas a Igreja, nomeadamente através do seu magistério e dos seus pastores, tem o dever de aconselhar os casais, para que estes possam, no expressivo dizer de São Paulo, “participar da liberdade gloriosa dos filhos de Deus” (Rm 8, 21). Também o doente deve ter toda a liberdade de seguir, ou não, as indicações médicas, mas certamente que as receberá com agradecimento, porque sabe que são para o seu bem. Ninguém é obrigado a ser católico, mas a todos se pede, sob pena de hipocrisia, coerência com a fé que livremente se quis professar.
Quando Jesus instituiu a lei da indissolubilidade matrimonial, alguns dos seus discípulos, cientes da dificuldade na sua observância, comentaram: “Se é essa a situação do homem perante a mulher, não é conveniente casar-se!” (Mt 19, 10). A verdade é que, alguns anos depois, já havia casais cristãos espalhados por todo o império romano, graças também às perseguições de que resultaram tantos mártires. Numa sociedade divorcista e promíscua como era a romana de então (Rm 1, 24-32), onde se consentia a mancebia e até a pedofilia estava bem vista em termos sociais, a fidelidade dos esposos cristãos chamava poderosamente a atenção, embora muitos a vissem como uma perigosa utopia, promovida por uma seita condenada a desaparecer. Foi o contrário que aconteceu: os usos e costumes dos infiéis foram desaparecendo, ante a beleza e a sublimidade moral dos ideais cristãos. Os pagãos diziam, com admiração, daqueles primeiros discípulos de Cristo: “Vede como se amam!” (Tertuliano, Apologeticum, 39, 7).
Também agora, a mensagem cristã é exigente e apenas compreensível e praticável para quem se atreve a viver um amor autêntico. Para os outros, na verdade, só lhes resta mesmo o delírio do Carnaval.

Um dia vai ser proibido ser católico José Manuel Fernandes

As reacções à nota do Patriarca de Lisboa revelaram a incapacidade de ler e compreender o que lá estava escrito e, sobretudo, o desejo de submeter a Igreja à ditadura igualitária dos tempos que correm
Vou começar este texto exactamente como comecei um que escrevi há já oito anos. Mas não faz mal repetir-me. Por isso esclareço que não sou crente. Educado na Fé Católica, passei pelo ateísmo militante e hoje defino-me como agnóstico. Talvez não devesse, por isso, pôr-me a discutir a doutrina da Igreja Católica e aquilo que ela recomenda não apenas aos crentes, mais neste caso concreto aos crentes praticantes, pois é isso que está em causa na polémica sobre a Nota Apostólica do Cardeal Patriarca. Mas tem de ser. E tem de ser porque temo que, um dia destes, para se ser católico e procurar viver de acordo com o Catecismoda Igreja vai ser necessário esconder, ou pelo menos disfarçar, a sua Fé — e não preciso de partilhar essa Fé para defender a sua prática em absoluta e total liberdade.
Mas vamos por pontos, de forma naturalmente sintética, pois alguns mereceriam maior aprofundamento. Mas são três notas que não posso deixar de sublinhar.
1. Surpreende-me que boa parte desta discussão, mesmo a que teve como protagonista gente supostamente bem informada (e não apenas a barulheira típica das redes), tenha decorrido sem que a maior parte dos que nela participaram mostrassem ter tido o cuidado de ler atentamente a Nota Pastoral. Ora tratando-se de um tema delicado que divide a própria Igreja Católica, onde se percebe que existem diferentes sensibilidades, a fórmula adoptada pela Nota Pastoral é, ao contrário do que se quis fazer crer, especialmente defensiva. D. Manuel Clemente, mais do que elaborar sobre o sentido do capítulo VIII da exortação apostólica ‘Amoris Laetitia’ – relativo à forma como lidar com os católicos recasados –, preferiu citar longamente e subscrever a abordagem dos bispos de Buenos Aires. Fê-lo de forma tão explicita que procurar eventuais desalinhamentos, como também já vi fazer, é apenas tentar evitar a constatação do inevitável: o bispo de Lisboa foi apressadamente criticado pelos mais zelosos fãs do Papa Francisco (um deles falou mesmo em “delírio mental”) por adoptar uma orientação que esse mesmo Papa Francisco considerou resultar da única interpretação possível da ‘Amoris Laetitia’. Paradoxal mas verdadeiro.
(Já agora note-se também que as críticas à Nota Pastoral dos sectores mais conservadores da Igreja, os que não admitem qualquer mudança, que também existiram de acordo com o testemunho de dois padres — aqui e aqui –, essas foram totalmente invisíveis da comunicação social.)
Se quisermos ser honestos, e discutir seriamente estes temas, então teremos de reconhecer que a novidade relativamente ao caminho aberto pelo Papa Francisco com a ‘Amoris Laetitia’ não está nas recomendações de D. Manuel Clemente, que seguem muito fielmente o guião delineado por Roma. A novidade, em Portugal, estará mais na carta Construir a Casa sobre a Rocha, do arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, que essa sim é mais ousada e muito mais detalhada – mas que por isso mesmo suscitou reações de sinal contrário, até nos Estados Unidos. Ou seja, existe uma pluralidade no interior da Igreja portuguesa, ao mais alto nível, o que é sem dúvida interessante mas pouco considerado.
2. Apesar de serem muitos os sinais de desorientação na forma como se abordam os temas da sexualidade nos dias de hoje – de que são sinais evidentes alguns excessos e desnortes da campanha #MeToo –, a verdade é que é sempre muito tentador atacar o que é sempre descrito como “conservadorismo” da Igreja Católica, essa instituição “retrógrada” que resiste a mudar ao sabor da vontade dos colunistas, das indignações das redes sociais ou do activismo de alguns grupos dissidentes. E nada melhor do que uma recomendação de continência sexual feita por um cardeal para incendiar os espíritos. “Porque insiste a Igreja em meter-se na cama das pessoas?”, pergunta-se de forma indignada.
Na verdade, como já se recordou, não é apenas o catolicismo que se ocupa da moral sexual – todas as grandes religiões o fazem. Valeria a pena discutir por que o fazem, mas esta não é a ocasião, até porque verdadeiramente o que está no documento de D. Manuel Clemente (como no dos bispos de Buenos Aires ou na ‘Amoris Laetitia’) não é, como se pretende fazer crer, uma condenação do sexo. Mais: se quisermos compreender melhor a posição actual da Igreja sobre o amor erótico o documento a ler não é esta exortação apostólica do Papa Francisco, mas a encíclica ‘Deus Caritas Est’, a primeira do papado de Bento XVI.
O que estes documentos que agora discutimos abordam é outra coisa – é a conciliação entre diferentes sacramentos. Imagino que quem nunca teve educação religiosa católica não compreenda sequer o que é um sacramento, mas o dilema que a ‘Amoris Laetitia’ procura enquadrar é o dos católicos que contraíram o sacramento do matrimónio, um sacramento considerado indissolúvel (princípio que nem o Papa Francisco questiona), que depois terminaram o seu casamento e voltaram a casar pela via civil, pelo que estão em falta (ou em “pecado”, essa palavra impronunciável nos dias que correm), e pretendem ter acesso a outros sacramentos, como o da comunhão.
É a contradição entre os deveres impostos para o acesso a certos sacramentos e a violação assumida e vivida de um outro sacramento que cria uma espécie de quadratura do círculo de que seria impossível sair com uma aplicação estrita da doutrina. A evolução da ‘Amoris Laetitia’ é que remete a resolução dessa contradição para quem acompanha directamente os casais, ou seja para o nível de maior proximidade. O que a nota de D. Manuel Clemente, como a do D. Jorge Ortiga, como a dos bispos de Buenos Aires, procura fazer é dar orientações a quem lida directamente com esses casais, e mesmo havendo aproximações com nuances, a verdade é que nenhuma delas é um livro de instruções fechado. A referência à “continência” é apenas um de vários caminhos indicados, neste caso concreto tanto nas dioceses de Lisboa como da capital argentina. A latitude de intervenção dada a quem está no terreno é muito ampla como verificarão os que lerem com cuidado todos os documentos – e é de resto essa latitude que suscita a critica dos sectores mais tradicionalistas.
3. Claro que tudo isto parece estranho num tempo e em sociedades onde as referências morais deixaram de ser importantes. Numa época relativista, onde se valoriza sobretudo o prazer imediato e se exige tudo já – nisto a nossa contemporaneidade infantilizou-se, só parece capaz de alcançar o imediato como uma criança mimada –, tudo o que saia da norma e implique alguma forma de sacrifício é logo visto como uma manifestação de obscurantismo, quando não de opressão. Por isso pouco interessa aos indignados com a Nota Pastoral que ela apenas se dirija apenas aos católicos e, entre os católicos, apenas aos recasados que querem continuar a participar plenamente na sua Igreja. De nada vale recordar que em Portugal ninguém é obrigado a ser católico, que o casamento religioso não impede o divórcio civil, que muito menos se obriga alguém a ir à Missa, a confessar-se ou a comungar. Nada disto interessa, pois aquilo que verdadeiramente interessa é impor à Igreja a norma relativista dos dias que correm. Pior: em muitos meios ser católico, crente (coisa que, volto a recordar, não sou) é facilmente objecto de escárnio, quando não de discriminação. Já estivemos mais longe do dia em que praticar a doutrina da Igreja tenha de ser feito quase às escondidas.
Há também nesta pretensão o tradicional autoritarismo dos iluminados, o inevitável totalitarismo dos que pretendem igualizar tudo em nome do que entendem ser a modernidade ou os direitos que estiverem de momento na moda (também há direitos que passam de modas…). É uma pretensão de desconcertante arrogância num tempo em que não nos faltam sinais de esquizofrenia e confusão, onde tanto encontramos quem mande retirar um quadro clássico de um museu porque mostra jovens nuas como se glorifica a provocação como obra de arte, onde se pretende viver sem limites (ou “tabus”) a libertação sexual mas se quis proibir todo o tipo de piropos, e por aí adiante.
Mas há mais. Há também a velha ideia de que a Igreja só sobreviverá se se “modernizar”, o que significa sempre seguir os sinais dos tempos. Na verdade nenhuma instituição que tenha seguido essa orientação durou muito tempo, pelo que prefiro respeitar a prudência de uma Igreja que está cá há dois mil anos.
O grande escritor G. K. Chesterton notou um dia que “não queremos, como dizem os jornais, uma Igreja que se mova com o Mundo, queremos uma Igreja que mova o Mundo”. Julgo que esta frase sintetiza bem a diferença entre os que olham para a Igreja como olham para um partido político obcecado com as sondagens (nas reacções à Nota Pastoral houve até quem usasse grelhas de análise típicas do comentário político) ou para uma marca comercial obrigada a satisfazer os consumidores, e os que a vêm como uma referência com outras obrigações e, necessariamente, um outro tempo.
De resto chamo a atenção dos mais desatentos para o facto de, mesmo assim, a Igreja se mover – sendo que não se move, nem deveria mover-se, em função apenas do espírito do tempo e da volubilidade das gentes. Ainda bem.

A FAMÍLIA NASCE DE UMA BENÇÃO DIVINA Frei Bento Domingues, O.P.


1. Da religião da tristeza resvalou-se para a tristeza da religião. Os primeiros gestos, palavras e atitudes do Papa Francisco mostraram que era possível virar essa página: a da Igreja e a da sociedade. Não queria fazer nada sem Deus e sem os irmãos. Mas o Deus de que fala e vive não é o da tristeza e da ameaça. Os irmãos convocados não são, apenas, os praticantes dos rituais católicos.

É bem conhecido que, em muito pouco tempo, enviou ao episcopado, ao clero, às pessoas consagradas e a todos os fiéis leigos uma convocatória para levarem o Evangelho da Alegria ao mundo actual. Inscreveu-se, deste modo, no caminho aberto por Jesus de Nazaré, assumido por João XXIII e esboçado no Vaticano II. Entretanto, o mundo mudou e está a mudar com uma velocidade estonteante.

Para Klaus Schwab, entre os muitos e diversificados desafios fascinantes que enfrentamos, o mais intenso e importante é como compreender e definir a nova revolução tecnológica, que implica nada menos do que a transformação de toda a humanidade. Estamos no início de uma revolução que alterará radicalmente a maneira como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Na sua escala, amplitude e complexidade, o que considera ser a Quarta Revolução Industrial é diferente de tudo o que a humanidade viveu antes[1].

Se não estamos no paraíso – o mundo é de muito poucos e o sofrimento é de muitos – os impactos positivos desta revolução não podem fazer esquecer os negativos e os desconhecidos. É, no entanto, uma alegria contar com um Papa que, em vez de paralisar as energias dos católicos, lança uma esperança de que, todos juntos, poderemos fazer face aos desafios das loucuras da dominação económica, política, social e religiosa. O poder do Papa é o de acordar o que há de melhor nas pessoas, sejam elas quais forem, e de convocar, crentes e não crentes, para uma mudança radical que, na linguagem da caminhada da Igreja, se chama Quaresma e Ressurreição[2].

2. Está a difundir-se a ideia de que Bergoglio anda a minar as bases da própria sociedade e da história humana, isto é, a destruir a Família. O currículo deste argentino, quando foi eleito Papa, era o de um pastor que conhecia os percursos mais aceites e os mais mal vistos, segundo os critérios de um Direito Canónico pouco especializado no primado do amor e da alegria das pessoas. Por vezes, não se percebia se a instituição matrimonial era para a felicidade das pessoas ou para manter inalterável uma instituição especializada em normas de exclusão. Estava longe da palavra libertadora de Cristo: o Sábado é para o ser humano e não o ser humano para o Sábado.

Francisco, consciente das transformações que atingem todas as sociedades e culturas, não se fixou, apenas, na sua longa experiência. Depois de consultar muitos casais, padres, bispos e cardeais, publicou um documento aberto para que todos procurem, a partir do concreto, - e mesmo sabendo a fragilidade de tudo o que é humano - os caminhos que fazem do encontro do homem e da mulher, com toda a família, a experiência da Alegria do Amor[3].

Chamar-lhe um texto da destruição é, simplesmente, ridículo. É, pelo contrário, uma luz à procura de mais luz. Importa encontrar os caminhos que erradiquem as tristezas e as opressões que transformaram a sexualidade – uma bênção divina do amor humano e das suas expressões sexuais – numa solicitação ao pecado. O próprio sacramento do matrimónio foi entendido como um modo de tornar lícita uma união de natureza impura: a união sexual do homem e da mulher[4].

 As dificuldades em concretizar e prosseguir a pastoral aberta pelo Papa Francisco, sobre o acesso dos divorciados recasados aos sacramentos, radica, precisamente, na recusa de aceitar a união sexual como bênção. É evidente que toda a actividade humana, enquanto exercício da liberdade, pode desviar-se e atraiçoar-se. A sexualidade pode ser um exercício de opressão, de violência, de exploração, pecado gravíssimo. Mas propor a um casal a abstinência sexual não é a forma de reconhecer a sexualidade como bênção. No mundo católico, o pecado dos pecados era o que estava ligado ao sexo. O pecado económico, ecológico, racial – veja-se o tráfico humano, a destruição do planeta, a privação de casa, de trabalho, de saúde primária, etc. – nem pecado era!

Por causa de se entender mal um grande sacramento, acabou-se por esquecer a primordial bênção divina da família.

3. É como tal que aparece no Génesis. Nascer numa família é normal desde há muito tempo. Através de uma análise de ADN, pesquisadores coordenados por Wolfgang Haak, da Universidade de Adelaide (Austrália), identificaram quatro corpos como sendo uma mãe, um pai e os seus dois filhos, um de 8 ou 9 anos e outro de 4 ou 5 anos. É uma família com uma idade de 4.600 anos que não casou pela Igreja. Segundo o registro genético molecular já identificado, esta é considerada a família mais antiga no mundo. Seria puro milagre que uma realidade humana com vários modelos, segundo a história dos povos e culturas, fosse uma instituição sem problemas, um casamento de anjos.

A história do cristianismo é marcada por lutas periódicas contra as tentações dualistas: a dos gnósticos, dos maniqueus, dos cátaros. É difícil acreditar num Deus humanado. Que o corpo de Jesus de Nazaré seja corpo de Deus. O corpo é um dom, não uma maldição[5].

Dizem que na Pastoral da Família o tempo de namoro é fundamental. Mas não se pode concluir que os problemas ficam todos resolvidos, de uma vez para sempre, com a celebração do sacramento. Como fazer do casamento um processo de toda a vida?

Creio que nenhum padre, bispo, cardeal ou papa dispõe de uma solução pronta a servir. O melhor é escutar e escutar sempre. Mas sobretudo dar-se conta de que os sacerdotes do casamento são os casais e são eles os mais responsáveis pela Pastoral da Família, presente e futura. Vai ser longo o caminho para vencer o clericalismo.

O humor não faz mal ao amor à família. Em Granada, encontrei um pequeno azulejo com estes dizeres: família só a Sagrada e, mesmo esta, na parede pendurada.

18. 02. 2018



[1] Klaus SChwab, A Quarta Revolução Industrial, LEVOIR em parceria com o PÚBLICO, 2017.
[2] Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma de 2018.
[3] Amoris laetitia, Paulus,2016
[4] VV.AA., O enigma da sexualidade, Cadernos ISTA, nº 16, 2003; Francolino Gonçalves, As Mulheres na Bíblia, in Cadernos ISTA, nº 21, 2008, pp.109-159; VV.AA., A Família tem Futuro?, Cadernos ISTA, nº 31, 2015; Matrimónio, in Enciclopedia del Cristianesimo, pp. 455-457.
[5] Cf. Timothy Radcliffe, Na margem do mistério, Paulinas, 2016, pp 81 ss


quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

CÂNTICO PARA A QUARESMA - Olindo Marques

Depois do Natal (cântico 106º), temos a Quaresma, tempo de oração e penitência.
Aos meus amigos, esperando que possa ser útil, ofereço o cântico para a Quaresma "Ó meu Deus, meu Salvador" (Anexo). É o 107º (15º pós-Cantate Laudate!).
Como de costume, está com outros gratuitos em:
 
                  http://cantate-laudate.webnode.pt  (ou simplesmente escrever no Google Cantate Laudate )
 
Abraços e uma santa Quaresma que prepare uma feliz Páscoa!
 
Olindo Marques

domingo, 11 de fevereiro de 2018

VICIADO EM BOAS NOTÍCIAS Frei Bento Domingues, O.P.


1. Leio, todos os dias, textos dos Evangelhos. A palavra evangelho é a tradução do grego evangelion. Significa boa notícia. Não é o culto daquela atitude preguiçosa que espera que tudo há-de acabar por dar certo, sem mexer uma palha. Jesus interpretou a sua missão como resposta aos desafios que ia encontrando na sua intervenção pública: eram pedidos de socorro de pessoas afectadas por todo o género de doenças físicas, psíquicas, de exclusão religiosa e social. As mais insólitas e as mais correntes.

Quando se proclama o Evangelho na Celebração da Eucaristia, não é para lembrar o que Jesus fez há mais de dois mil anos. É para dizer à comunidade cristã o que é preciso fazer hoje. Quando usamos as palavras de Jesus na chamada Última Ceia: fazei isto em memória de Mim, não é para cumprir um ritual, mas para intimar os cristãos a continuarem hoje o Evangelho. Uma missa que não dá notícias das transformações que a comunidade realizou na semana anterior e das que se compromete a realizar na semana seguinte, não celebra o Evangelho. As notícias cristãs de há dois mil anos, se não provocarem hoje transformações nas Igrejas ao serviço das alterações que a sociedade precisa, comem e bebem a sua própria condenação, segundo a expressão S. Paulo[i].

A repetição dos textos, só por si, mata a novidade do movimento cristão. Quando não se entra no espírito que animava a vida de Cristo, a repetição não é caminho. Sem a ciência da interpretação estamos sempre resvalar para o fundamentalismo ou para a banalidade. A letra mata, o espírito vivifica.

2. Em Portugal, nas últimas semanas, quanto a notícias boas e más, vivemos situações não totalmente inéditas, mas de intensa confusão. Vicente Jorge Silva para classificar certo tipo de jornalismo, cada vez mais em voga – amplificado pelas redes sociais – e em conexão com os meios judiciários, intitulou a sua coluna Justiça e jornalismo no esgoto[ii]. Quanto a conivências de jornalismo, redes sociais e acusações que deixam os cidadãos sem defesa contra a irresponsabilidade instalada por lei, Miguel Sousa Tavares[iii] foi ainda muito mais explícito.

Seja como for, a velha ideia de que um cidadão deve ser considerado inocente até prova em contrário, desapareceu. Agora, em certos meios de comunicação social, todos podem ser suspeitos e mesmo culpados, até prova em contrário. Ninguém acima da lei, mas abaixo da lei também não está bem.

Por tudo isso, não posso deixar de louvar a campanha do Centro de Internet Segura (CIS)[iv], que divulga dicas para distinguir notícias falsas e promover uma leitura crítica dos conteúdos online. Estratégias como estas ajudam qualquer utilizador. Esta campanha é especialmente dirigida aos jovens.

3. No meio de tudo isto, como redescobrir o valor do jornalismo? Em primeiro lugar, importa que as empresas e os jornalistas não se esqueçam da sua missão, mas os consumidores devem encontrar formas de intervir e de os chamarem à responsabilidade. Parece que as cartas ao director têm mais importância do que se julga. Obrigar os jornais a confessarem o seu erro é uma ajuda global. O Papa Francisco, na mensagem para o LII Dia Mundial das Comunicações Sociais[v], faz uma pergunta curiosa: Que há de falso nas notícias falsas?

A expressão fake news é objecto de discussão e debate. Geralmente diz respeito à desinformação transmitida online ou nos mass-media tradicionais. A referida expressão alude a informações infundadas, baseadas em dados inexistentes ou distorcidos, tendentes a enganar e a manipular o destinatário.

A sua divulgação pode visar objectivos pré-fixados, influenciar opções políticas e favorecer lucros económicos. A eficácia das fake news deve-se, em primeiro lugar, à sua capacidade de se apresentarem como plausíveis. São falsas, mas verosímeis. Tais notícias são capciosas, no sentido em que se mostram hábeis a capturar a atenção dos destinatários. Estão apoiadas sobre estereótipos e preconceitos generalizados, explorando emoções imediatas e fáceis de suscitar, como a ansiedade, o desprezo, a ira e a frustração.

A grande dificuldade consiste em descobrir as diferentes lógicas subjacentes à sua manipulada difusão. Os conteúdos, embora desprovidos de fundamento, ganham tal visibilidade que os próprios desmentidos dificilmente conseguem limitar os seus estragos. Esta lógica da desinformação tem êxito porque em vez de haver um confronto sadio com outras fontes de informação, é sempre mais do mesmo. Não há espaço para colocar em discussão os preconceitos e abrir o diálogo. Resultado: reproduzem a deformação em que vivem.

O drama da desinformação leva a desacreditar o outro, apresentando-o como inimigo, chegando-se mesmo à sua demonização. É o caminho dos conflitos. As notícias falsas revelam a presença de atitudes intolerantes e hipersensíveis. Dilatam a arrogância e o ódio. É o resultado da falsidade.

O Papa Francisco recuou até ao Livro do Genesis[vi] para mostrar como se fabricam falsidades e também como é possível desmascará-las. Mas o que lhe interessa é a verdade, porque só ela nos tornará livres e só ela é caminho da Paz. Citou, longamente, Dostoiévski: “quem mente a si mesmo e escuta as próprias mentiras, chega ao ponto de já não conseguir distinguir a verdade dentro de si mesmo, nem à sua volta. Deixa de gostar de si mesmo e dos outros. Depois, sem o amor de ninguém, deixa também de amar. Na falta de amor, para se sentir ocupado e distrair, abandona-se às paixões e aos prazeres triviais. Por culpa dos seus vícios torna-se uma besta. Tudo deriva de mentir continuamente a si mesmo e aos outros.”

O remédio mais radical para o vírus da falsidade é deixar-se purificar, continuamente, pela verdade.

Ninguém é dono da verdade, nem a sua única voz. A verdade é um horizonte de investigação continua e apaixonada.



[i] 1Cor 11,17-34
[ii] Público 04.02.2018
[iii] Expresso, 1º Caderno, 03.02.2018
[iv] Público 06.02.2018
[v] Voz Portucalense, 31.01.2018
[vi] Gn 2-4

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Itália: Marcha pacífica pela paz na RD Congo 05 de Fevereiro de 2018

NOVOS TEMPOS... Os mesmos problemas!
"Os cristãos da República Democrática do Congo, liderados pelo Episcopado Congolês, continuarão a surpreender o mundo, e a África em particular, pelo seu compromisso político explícito e franco. Nunca na história de nossas Igrejas africanas os cristãos estiveram tão determinados a dizer profeticamente "Não" à política por seu egoísmo mortal", disse o Pe. Donald Zagore, da Sociedade pelas Missões Africanas (SMA), refletindo sobre as recentes crises políticas e o compromisso da igreja católica no Congo.

Assembleia Geral da UASP-CONVOCATÓRIA

CONVOCATÓRIA
Nos termos dos Estatutos da UASP, convoco a Assembleia Geral, na sua forma ordinária, para as 10:00 horas do dia 3 de Março de 2018, no Convento Franciscano Montariol, Braga1, com a seguinte ordem de trabalhos:
1. Saudação.
2. Verificação de presenças.
3. Leitura, discussão e votação da acta da Assembleia Geral do Outono.
4. Apresentação, discussão e votação do Relatório de Actividades e Contas de 2017.
5. Ponto da situação das actividades em curso:
5.1. Jornada cultural do Verão: ponto da situação. 5.2. IV etapa do projecto "Por Mares Dantes Navegados" – Madeira? 5.3. V Fórum “O acesso à experiência da fé, hoje!” 5.4. V etapa do projecto "Por Mares Dantes Navegados" – Angola (2019)
6. Outros assuntos de interesse para a UASP. De acordo com o nº 4 do Artº 10º dos Estatutos, solicitamos que nos confirmem pela mesma via a recepção da presente notificação. Com os melhores cumprimentos. 3 de Fevereiro de 2018
O Presidente da Mesa da Assembleia Geral Manuel Domingos C Silva AAASBraga Nota: O Convento de Montariol disponibiliza-se para servir o almoço (10€ por pessoa), bastando para tal que nos informem, se possível, através do presente e-mail, o número de pessoas (esposas, amigos,…) que desejam tomar esta refeição, até ao dia 25 de Fevereiro, Domingo. 1Rua do Areal de Cima 24, Braga

Eu vou tentar estar presente representando a nossa Associação. Era interessante que outros me pudessem acompanhar. É sempre uma experiência que deixa marcas e reforça o sentido de pertença.

domingo, 4 de fevereiro de 2018

BABEL, BENÇÃO OU MALDIÇÃO? Frei Bento Domingues, O.P.


1. Para os meios de comunicação, a moda mais recente é a preocupação com as divisões na Igreja católica que me parecem coisa de pouca monta. Vencer a separação entre as igrejas do oriente e do ocidente e entre católicos e protestantes tem sido a beleza do horizonte do movimento ecuménico, nas suas diversas expressões. Quem conhecer o movimento cristão sabe que, desde o começo, esteve sempre exposto a divisões. Os apelos a que todos sejam um, significam a dificuldade em conseguir uma unidade plural. O cristianismo continua a ser uma Sinfonia Adiada[1].

 O que custa não é a comunhão, não é a diversidade, nem  a liberdade. O que custa é manter estas três atitudes em simultâneo. Quem insiste apenas na comunhão, tem problemas com a diversidade e com a liberdade. Quem, pelo contrário, exalta a diversidade e a liberdade é porque, em nome da comunhão, sente a ameaça da unicidade.

O mito da Torre de Babel[2] não é de fácil interpretação. Supõe-se que Deus se sentiu ameaçado por uma Torre que chegava aos céus, obra da unicidade linguística: “ em toda a Terra, havia somente uma língua e empregavam-se as mesmas palavras (…) Vamos, pois descer e confundir de tal modo a linguagem deles que não consigam compreender-se uns aos outros. E o Senhor dispersou-os dali por toda a Terra”.

É bom ler o texto na íntegra. Vem a seguir à lista dos povos, as famílias de Noé, segundo as suas genealogias e as respectivas nações. Delas, segundo o mito, descendem os povos que se espalharam, após o dilúvio sobre a Terra.

Uma só língua ajudava muito. É preciso uma maldade muito grande para destruir algo que facilitaria tanto a vida a todos. É com esta astúcia que está construído o texto. Ainda hoje, existe essa nostalgia, assustadora. A linguagem é a marca primordial do ser humano. A unicidade linguística só seria possível por clonagem.

Quem imagina os seres humanos e os povos cópias uns dos outros, isto é, quem conhece um, viu-os a todos, tem de sentir a humanidade como um campo de concentração do qual não pode sair. É o mesmo do mesmo, sempre o mesmo, o sufoco universal. A originalidade irrepetível de cada um, seria substituída pela infinita repetição.

2. Costuma-se contrapor a referida confusão das línguas de Babel com a narrativa do Pentecostes, um dom linguístico muito especial. Os Actos dos Apóstolos[3] contam tudo: de repente, ressoou, vindo do céu, um som comparável ao de uma forte rajada de vento, que encheu toda a casa onde os discípulos se encontravam. Viram aparecer umas línguas, à maneira de fogo, que se iam dividindo e pousou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes inspirava que se exprimissem. Residiam em Jerusalém judeus piedosos vindos de todas as nações que há debaixo do céu. Ao ouvir aquele ruído, a multidão reuniu-se e ficou estupefacta, pois cada um os ouvia falar na sua própria língua. Atónitos e maravilhados diziam: mas esses que estão a falar não são todos galileus? Que se passa, para que cada um de nós os oiça falar na nossa língua materna? Partos, medos, elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egipto e das regiões da Líbia cirenaica, colonos de Roma, judeus e prosélitos, cretenses e árabes ouvimo-los anunciar nas nossas línguas as maravilhas de Deus! (…)

Estavam todos assombrados e, sem saber o que pensar, diziam uns aos outros: que significa isto? Outros, por sua vez, diziam, troçando: estão cheios de vinho doce.

Esta passagem dos Actos não desmerece, em colorido, da narrativa da Torre de Babel. Aqui há uma convocatória para a dispersão. Uma convocatória de todos os povos e línguas, a máxima diversidade na máxima unidade. O Espírito de Cristo é para todos, respeitando e promovendo a originalidade de cada um.

Era precisa a solenidade insólita desta narrativa para significar que o movimento cristão era um começo completamente novo. Não é o sufoco do mesmo, a repetição da repetição. É o apelo do próprio Deus para a criatividade. A Igreja, fora da criatividade, morre. Os Actos dos Apóstolos ficavam bem como uma banda desenhada das aventuras do Espírito Santo. As circunstâncias mais imprevistas não eram um empecilho, mas uma provocação!

3. No âmbito dos carismas, S. Paulo viu-se muito atrapalhado com os que falavam muito para não dizerem nada. Tinham o carisma de falarem línguas que ninguém percebia[4]. Quis resolver a questão de uma penada no célebre cântico do amor: ainda que eu fale todas as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, sou como um bronze que soa ou um címbalo que retine.

Nas normas para o uso dos carismas, aconselha a procurar o amor e a aspirar aos dons do Espírito, mas sobretudo ao da profecia. Pois, aquele que fala em línguas, não fala aos homens, mas a Deus: ninguém, de facto, o entende, pois o Espírito diz coisas misteriosas (…) Quem profetisa está acima daquele que fala em línguas, a não ser que também as interprete, para que a assembleia possa tirar proveito. Imaginai, agora, irmãos, que eu ia ter convosco e vos falava em línguas: de que utilidade vos seria, se nada vos comunicasse nem por revelação, nem por ciência, nem por profecia, nem por ensinamento? (…) Se a vossa língua não proferir um discurso inteligível, como se há-de saber o que dizeis? Sereis como quem fala ao vento. Há no mundo não sei quantas espécies de línguas e todas têm o seu significado. Ora, se eu não conheço o significado de uma língua, serei como um bárbaro para aquele que fala e, aquele que fala, também o será para mim. 

Paulo, mesmo na oração, não suporta não entender. Se tu elevas um cântico de louvor só com o espírito, como pode o que participa como simples ouvinte responder Amén à tua acção de graças, visto que não sabe o que dizes? A tua acção de graças poderá ser, certamente, muito bela, mas o outro não tira nenhum proveito.

O obscurantismo não era o carisma de S. Paulo.

As missas em latim, e de costas para o povo, que os ignorantes publicitam, se não tiverem quem as interprete, não servem para nada. De costas para o povo não há interpretação que as salve.

04.02.2018 



[1] Christian Duquoc, Paulinas, S. Paulo, 2008; L. Michael White, De Jesús al cristianismo, Verbo Divino, Estela, 2007
[2] Gn 11, 1-9
[3] Act 2, 1-13
[4] 1Co 12-14; importa ler estes dois capítulos na íntegra